Tu, mãe. Podes ser eterna ?
Aflige-me pensar que o tempo voa, não pelo
medo de ficar velha e enrugada, mas porque sei que tu também o ficas. Uma ruga
a cada dia. Um cabelo branco na tua e na minha cabeça. Eu tenho mais cabelo,
disfarço melhor. E os meus são em menor número, separam-nos vinte anos a
coleccioná-los. Aflige-me pensar que um dia não estarás aqui. Não me farás
arroz de marisco só com camarão e carregado de coentros. Não me ligarás todos
os dias a perguntar como estou e o que me dói hoje. É sempre às mães que nos
queixamos. Aflige-me saber que um dia, inevitavelmente, terei que te perder.
Podes ser eterna? Podes durar para sempre e ficar para sempre, como um bom
filme ou um ainda melhor livro? Perpétua. Podes ficar guardada lá em casa até
que eu própria seja mãe, depois avó e depois só um estorvo para os outros à
minha volta e, ainda assim, continue a precisar de ti?
Aflige-me pensar que o tempo voa e que a
infância onde me curavas as feridas, esfregavas os joelhos encardidos ou me
abraçavas quando a pieira não me deixava respirar à noite, ficou tão lá atrás.
Podemos voltar lá? As duas? Podemos
roubar uma máquina do tempo qualquer ou inventá-la? Sermos eu e tu a caminho do
infantário, galochas calçadas porque a chuva se tornava lama, eu a chorar
porque não queria lanchar lá? Lembras-te que odiava pão com marmelada?
Podes ficar para sempre comigo, vivermos em
par como tantos outros pares deste mundo que não se separam? Os de brincos. Os
de meias. Os de sapatos. Não. Prefiro os de collants. Esses estão sempre presos
pelo cós. Aflige-me que te sintas cansada, esgotada, triste. Aflige-me que não
esteja sempre bom tempo dentro desse corpo e desse coração. Pudesse eu
plantá-lo dentro de ti e viver lá. Vivermos as duas debaixo de sol. Todos os
dias. As duas na praia. Tu sentada na areia a queixares-te porque a toalha se
enrola e não tens posição. Eu a falar pelos cotovelos e a não deixar que te
concentres no sudoku.
Podemos ser assim para sempre? Eternas uma
para a outra? Cúmplices nas gargalhadas e nos queixumes. Nas idas ao café que
eu teimo em beber cheio e tu curto. Juntas, fazemos uma chávena cheia. Inteira.
Eterna. Todas eternas. Que as mães deste mundo pudessem
afagar-nos o cabelo para sempre. Dizer-nos,
para sempre, qual o melhor xarope para a tosse ou a melhor camisola a escolher
de manhã. Frio ou calor? É preciso um casaco? Que pudessem, para sempre e
porque o sempre nunca é demasiado tempo, prender-nos o cabelo numa trança
perfeita, preparar-nos um lanche como o de antigamente, onde o leite com
chocolate ainda se podia beber porque não havia intolerâncias a coisa nenhuma.
Que as mães, todas elas porque são nossas, pudessem, até à nossa velhice,
aconchegar-nos a manta que teremos sobre as pernas no lar onde iremos viver os
últimos dias. Quem é que me irá ouvir, aconselhar e proteger quanto eu estiver
gasta e cansada, sentada num qualquer asilo a precisar de ti? A precisar de
auxílio. Podes ser eterna? Tu que me ensinaste a dar milho aos pombos no Jardim
da Estrela quando fomos visitar o avô Carequinha. Tu que me ensinaste a fazer
ponto-cruz, que eu nunca fiz, que me fizeste camisolas de malha com degradés de
fazer inveja à alta-costura. Tu que plantas sementes no meu corpo e as
transformas em memórias vivas, com direito a cheiro e vozes e música e birras e
lágrimas, misturadas com sorrisos. Podes ser eterna? Podem? As mães que nos
amparam, nos cuidam e nos unem.
Tu, mãe. Que vives em mim e até à
eternidade viverás.
Podes ser eterna?
Autor:
Susana Amaro Velho
Fonte:
http://capazes.pt/cronicas/podes-ser-eterna
2 comentários:
Boa noite!
Que lindo post! Parabéns!
Na realidade, as mães e todos nós seres humanos, somos eternos nas grandezas de nossos atos que jamais deixarão de florir!
Mães.. eternas em nós... aqui e no infinito...
Abraços!
Mariângela
Que sejamos eternos no colo eterno das nossas mães...
Abraços Mariângela ;)
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