Era uma vez um aquário onde viviam peixes grandes, médios e pequenos. Ali imperava a lei do mais forte. Os alimentos atirados pelo Criador eram disputados. Primeiro comiam os maiores. O que sobrava destes era devorado pelos médios. E o que sobrava dos médios era devorado pelos pequenos. Na falta de outro alimento, os grandes devoravam os médios e estes, por sua vez, devoravam os pequenos.
Ora, havia um peixinho, muito pequenino, que morava no fundo do aquário, onde estava a salvo da fome e da gula dos demais. Ali, naquelas profundezas, poucas vezes caía algum alimento. Mas, o peixinho, ao invés de maldizer a sorte, enganava a fome distraindo-se a contemplar os desenhos dos azulejos, as plantinhas, a areia branca e as pedrinhas brilhantes que enfeitavam o fundo do aquário.
Um belo dia, o peixinho descobriu um ralo, por onde saía a água do aquário. Admirado, exclamou: "Então este aquário não é tudo?! Existe outro lugar onde se pode viver?! Para onde irá essa água que não pára de correr?
E, o peixinho, curioso, tentou passar pelo ralo. Mas como os orifícios eram muito estreitos, ele dispôs-se a fazer sacrifícios, e emagrecer até passar para o outro lado.
Foi assim que, dias mais tarde, bem mais magro, e ainda assim perdendo algumas escamas na travessia, ele conseguiu o seu intento. E foi assim que ele conheceu, pela primeira vez na vida, o que é a água corrente. - Uma maravilha! O peixinho dava pulos de alegria pelo rego da água, deslumbrado com tudo. E o rego da água levou o peixinho até uma enxurrada...
Na enxurrada a corrente era mais forte e nem era preciso nadar. Bastava soltar o corpo. Que maravilha! Quantos peixinhos livres! Quantos barquinhos de papel! E o sol? Que coisa linda!... E aqueles tontos, lá no aquário, a pensar que aquilo é tudo, aquela água parada. Coitados!!!
A enxurrada levou o peixinho a um riacho. O peixinho nunca imaginara tanta água junta. Nunca vira crianças a nadar. Nunca conseguira ver tantas plantas, tantas flores, tanta beleza junta! E julgou que estivesse a delirar. Quanta comida, quanta água, quantos lugares onde viver em paz, quanta felicidade para todos! Ah! E aqueles pobres coitados lá no aquário... se vissem isto tudo!
E o riacho levou o peixinho até o rio.
Não. Não é possível! Isto não existe! Olha quanta água! Parece não ter fim. Quanta comida! Quanto sol, quanta luz, quanta beleza! E foi assim, extasiado, maravilhado, deslumbrado, quase sem acreditar nos seus próprios olhos, que o peixinho, levado pelo grande rio, chegou enfim ao mar.
Ali, diante daquele infinito de águas, de alimentos, de luz, de cores, de plantas, de um mundo de coisas maravilhosas, diante daquela majestade toda, o peixinho chorou. Chorou comovido, agradecido, porque a alegria era tanta que não cabia dentro de si. E chorou, sobretudo, de pena dos seus colegas, grandes e pequenos, que haviam ficado lá no aquário, naquelas águas poluídas, escuras, todos espremidos, julgando viverem no melhor dos mundos. E o peixinho resolveu então voltar ao aquário e contar a boa nova a todos.
Assim, o peixinho voltou do mar para o rio (um sacrifício, porque agora a viagem era contra a corrente). Ele nadou para o riacho, para a enxurrada e da enxurrada para o rego e do rego para o fundo do aquário. E atravessou o ralo de volta...
Desse dia em diante, começou a circular pelo aquário um boato de que havia um peixinho que contava coisas mirabolantes, falava de um lugar muito melhor para viver, um lugar de amor e paz, um lugar de fartura infinita, onde não precisavam de se devorar uns aos outros. E todos acorreram ao fundo do aquário para saber da novidade. Os grandes, os médios, os pequenos, todos os peixes queriam saber o que era preciso fazer para chegar a esse mundo maravilhoso...
E o peixinho, mostrando-lhes o ralo, explicou, que para chegar ao outro mundo, era preciso algum sacrifício, pois a passagem era realmente estreita. Segundo o tamanho, uns teriam de sacrificar-se mais, outros menos. E os peixes pequenos passaram, a seguir, a escutar o peixinho, enquanto os médios e os grandes, sobretudo, consideravam-no maluco, um visionário. Onde já se viu? Impossível passar por aquele orifício tão estreito! Só um louco!
E a história do peixinho alastrou-se de tal maneira que modificou a vida no aquário, muitos dos peixes pequenos fugiram do aquário, o que enfureceu os peixes grandes que não estavam dispostos a fazer sacrifícios…
Assim, e de forma a terminar com aquele alvoroço, os peixes grandes, cheios do seu poder e da sua força, acabaram por matar o peixinho… Mas o peixinho não morreu… Continuou a viver… pois a sua mensagem era imortal… passava de geração em geração...
Até hoje, a história do peixinho é lembrada no aquário.
Até hoje, há os que creem.
E até hoje há os que passam pelo ralo
e os que jamais conseguirão fazê-lo,
porque, quanto maiores e poderosos forem, tanto maior será o sacrifício exigido.
Nem sempre vencem os mais fortes… porque nem sempre os mais fortes estão dispostos a fazer os sacrifícios necessários…
E por isso está escrito:
"Filhos, como é difícil aos que confiam no poder e na riqueza entrar no reino dos céus".